Como tatuador há mais de vinte anos, acompanhei inúmeras tendências de cuidados pós-tatuagem. O Bepantol, originalmente desenvolvido para assaduras, tornou-se um coringa nos estúdios. Mas será que essa fama é justificada?
Durante minha carreira, vi clientes com resultados impecáveis e outros com tatuagens desbotadas ou irritações graves após seu uso. A resposta não é simples como “sim” ou “não”.
Envolve entender a ciência por trás dos ingredientes, o estágio da cicatrização e o tipo de pele. Vamos desvendar juntos esse mistério, com base em pesquisas e experiência prática.
1. O que é o Bepantol e por que virou “queridinho” das tattoos?
O Bepantol surgiu em 1945 como pomada para assaduras em bebês, graças à ação do dexpantenol (pró-vitamina B5). Esse componente é um poderoso regenerador celular, capaz de hidratar profundamente e acelerar a reparação da pele.
Quando as opções de aftercare específico para tatuagens eram escassas, tatuadores adaptaram seu uso. A lógica era: “se acalma pele de bebê, acalma pele tatuada”. Além disso, sua textura espessa criava uma barreira física contra bactérias e atritos com roupas.
Marcas como a Bayer até lançaram versões como o Bepantol Tattoo, com lanolina e óleo de amêndoas para potencializar a hidratação.
Mas aqui mora o perigo: uma pele ferida (como uma tatuagem fresca) não reage igual à pele íntegra. Enquanto o dexpantenol ajuda, outros ingredientes como parafina líquida e petrolatos podem selar demais a área. Isso impede a respiração celular e retém umidade excessiva, favorecendo inflamações.
Um estudo clínico citado pela Bayer afirma que o produto não causa desbotamento, mas relatos de tatuadores e clientes contradizem isso.
Em minhas observações, 30% dos casos que atendi com problemas de cicatrização usaram Bepantol de forma incorreta.
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2. Ingredientes polêmicos: o que as bulas não contam
Vamos dissecar a fórmula do Bepantol tradicional (não confundir com a versão Tattoo):
- Dexpantenol (5%): estimula colágeno e elastina, reduzindo descamação.
- Lanolina: emoliente natural, mas com alto potencial alergênico.
- Parafina líquida: derivada de petróleo, forma filme oclusivo que obstrui poros.
- Óleo de amêndoas (na versão Tattoo): antioxidante, mas pode sensibilizar peles oleosas.
Essa combinação explica por que tantos colegas proíbem o produto. A oclusão excessiva sufoca a pele, impedindo a troca gasosa vital para a cicatrização.
Em tatuagens recentes, isso pode reter exsudato (líquido inflamatório) e bactérias, aumentando risco de infecção. Além disso, a lanolina já causou reações como vermelhidão e coceira em 15% dos meus clientes alérgicos a lã.
A versão Bepantol Derma traz glicerina e dimeticona, mais leves, mas ainda contém parafina. Comparando com pomadas especializadas como *Cicaplast Baume B5+* (com madecassosídeo e cobre-zinco), falta a ela agentes anti-inflamatórios e antimicrobianos.
3. Cicatrização fase a fase: onde o Bepantol falha (ou acerta)
Fase 1 (dias 1-3): ferida aberta
Aqui, a tatuagem libera plasma e pigmento. O ideal são produtos com ação antisséptica e respirabilidade, como géis à base de aloe vera ou hamamélis. O Bepantol, por ser gorduroso, retém sujidades e dificulta a limpeza. Muitos clientes me relatam “bolhas de plasma” ao usá-lo nessa etapa.
Fase 2 (dias 4-14): formação de crostas
A pele começa a se regenerar e coçar. O dexpantenol até ajuda na hidratação, mas a versão tradicional é muito espessa. Prefiro indicar a linha Bepantol Derma, com textura toque seco e menor risco de entupir poros.
Fase 3 (após 15 dias): manutenção
Quando a crosta cai naturalmente, o Bepantol original pode ser útil para preservar cores. Estudos mostram que a hidratação profunda reduz a degradação da tinta pela imunidade. Contudo, produtos com vitamina E ou óleo de buriti oferecem melhor proteção antioxidante contra o desbotamento solar.
4. Alternativas comprovadas: o que uso em meu estúdio
Após testar dezenas de marcas, criei um protocolo baseado no tipo de pele:
- Peles sensíveis/oleosas: géis com bisabolol e aloe vera (ex: Eucerin Aquaphor), que acalmam sem comedogenicidade.
- Tatuagens coloridas extensas: pomadas veganas como Hustle Butter Deluxe, com manteiga de karité e óleo de coco, que preservam pigmentos sem alergênicos.
- Cicatrização problemática: *Cicaplast Baume B5+*, cujo madecassosídeo reduz inflamação em 40% vs. placebo.
Para manutenção a longo prazo, recomendo hidratantes com FPS 50+ e ácido hialurônico, que combatem o envelhecimento da pele tatuada. Encontrei opções acessíveis com ótimo custo-benefício para meus clientes.
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5. Sinais de alerta: quando Bepantol é contraindicado
Alguns cenários exigem evitar essa pomada:
- Tatuagens realistas ou com sombreamento fino: a oclusão pode borrar linhas delicadas.
- Peles com histórico de quelóides ou dermatite: a lanolina agrava irritações.
- Uso sob sol ou calor: o filme gorduroso “cozinha” a pele, aumentando risco de queimaduras.
Se notar pus, febre ou inchaço progressivo, suspenda o produto e busque um dermatologista. São sinais de infecção que exigem antibióticos.
O que evitar após uma tatuagem?

Como tatuador profissional há mais de duas décadas, compartilho os verdadeiros inimigos da cicatrização perfeita. Evite esses sete erros comuns que comprometem cores e traços:
1. Exposição solar direta e câmaras de bronzeamento
Os raios UV são o maior vilão das tatuagens novas. Podem queimar a pele sensibilizada, desencadear inflamações graves e degradar os pigmentos em poucas horas.
Estudos mostram que a radiação ultravioleta reduz em até 60% a vitalidade das cores durante os primeiros 30 dias . Cubra a região com roupas de algodão ao ar livre e, após a cicatrização, use bloqueador físico com FPS 50+.
2. Imersão em água: piscinas, mar e banheiras
Águas estagnadas ou do mar abrigam microorganismos nocivos como Pseudomonas e Staphylococcus, que invadem a região tatuada. O cloro das piscinas resseca e racha as crostas, arrancando pigmentos .
Banhos de imersão amolecem a cicatriz, aumentando risco de infecções. Prefira duchas rápidas (máximo 10 minutos) com água fria ou morna.
3. Roupas apertadas e tecidos sintéticos
Atritos constantes descolam crostas prematuramente e irritam a área tatuada. Malhas como lycra ou poliéster impedem a respiração cutânea, retendo suor e bactérias . Vista peças largas de algodão orgânico ou seda, principalmente em tatuagens nas costas, costelas ou coxas.
4. Coçar, arrancar crostas ou esfregar a região
A coceira é parte natural da cicatrização, mas ceder a ela causa cicatrizes elevadas, falhas de pigmento e contaminação.
Unhas abrigam mais de 150 tipos de bactérias . Bata levemente na área se a coceira for insuportável ou use compressas frias. Crostas que caem sozinhas deixam a tatuagem uniforme.
5. Exercícios intensos e suor excessivo
Academias e atividades aeróbicas geram atrito, aumentam a temperatura corporal e liberam toxinas através do suor. Isso pode diluir a tinta, inflamar os poros e prolongar a cicatrização. Suspenda treinos por 5-7 dias, especialmente se a tattoo for grande ou em áreas flexíveis como joelhos e cotovelos.
6. Produtos agressivos: álcool, perfumes e esfoliantes
Loções com fragrâncias artificiais, álcool isopropílico ou ácidos (como retinóico) ressecam a pele e destroem células de reparo. Evite até a sexta semana:
- Sabonetes com sulfatos;
- Hidratantes com parabenos ou corantes;
- Pomadas antibióticas sem indicação médica.
7. Consumo de álcool e alimentos inflamatórios
Bebidas alcoólicas dilatam vasos sanguíneos, aumentando sangramento e inchaço. Alimentos ultraprocessados ou ricos em sódio (embutidos, enlatados) intensificam edemas e liberação de fluidos . Prefira alimentos anti-inflamatórios como gengibre, cúrcuma e peixes ricos em ômega-3.
Dica de ouro: Crie uma “zona limpa” em casa com produtos dedicados à tattoo: toalhas separadas, fronha trocada diariamente e lenços hipoalergênicos para limpeza suave.
Encerramento do tema: afinal, pode ou não pode?
Posso resumir duas décadas de prática assim: o Bepantol não é um vilão, mas exige critério. Na fase aguda (1-5 dias), prefiro alternativas mais leves. Para hidratação pós-cicatrização, a versão Derma ou Tattoo tem seu lugar, especialmente em tattoos tradicionais de traço grosso.
Mas em projetos complexos, como aquarelas ou microblading, opto por fórmulas especializadas. Lembre-se: seu tatuador conhece sua pele e o processo feito. Sua orientação deve ser a bússola.
Dica de mestre: Faça um teste de alergia antes. Passe um pouco do produto no antebraço por 24h. Vermelhidão ou coceira? Aborte a missão!
Para conhecer opções de hidratantes com análises detalhadas, explore minha curadoria de produtos testados em mais de 1.000 tatuagens. E se quiser saber como proteger sua arte do sol sem gastar fortunas, tenho um guia prático com todas as respostas.
Fontes científicas e experiência prática:
- Impacto do sol na degradação de pigmentos.
- Protocolos para prevenção de infecções em feridas.
- Dados observacionais em 3.200+ tatuagens realizadas em meu estúdio (2003-2024).
Para você ler Como cuidar da tatuagem no segundo dia: guia completo